Na senda de algumas obras poéticas que estabelecem diálogo com obras fílmicas, Tarkovsky de A. Pereira mostra-nos como o horizonte referencial dos filmes, sendo profícuo, não é absolutamente essencial, na medida em que cada uma das composições textuais como que vale por si própria, evocando, é certo, cenas concretas, paisagens simbólicas ou ambiências cromáticas que transportam o leitor para um universo muito próprio, forjado pela lente de Tarkovsky: a presença quase amável das ruínas, o desenho cristalino do silêncio, os obscuros arquipélagos da interioridade da alma. Tudo se passa como se cada poema se assumisse, de pleno direito, como indómito exercício da linguagem e como a memória poliédrica do autor que, assim, vai desfiando poeticamente a tapeçaria das suas impressões enquanto observador das complexas narrativas visuais de Tarkovsky.
O que mais impressiona em Tarkovsky é o modo como a poesia de Alberto Pereira, densamente metafórica e imagética, sempre manifestou essa dimensão cinematográfica, abrindo-se à produção de belíssimas e inusitadas imagens que passam pela retina, deixando pairar o seu rasto mágico.